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O alcoolismo é algo que provoca perdas

 

Com relação às perdas sofridas, o alcoolismo é concebido como algo que afeta os neurônios, conforme afirma a seqüência discursiva que segue:

O alcoolismo é um dos fatores que tá atingindo muita gente, e chegou a me atingir porque hoje eu tenho um pouco de problema de decorar as coisas em mente, né? [...] Me tirou alguns neurônios, eu acho que hoje eu tenho dificuldade em decorar as coisas, e paciência em estudar algo, né? [...] Então, o fator que ela [a bebida] causa é a destruição de alguns dons que Deus nos dá e não tem como recuperar, né? (GEF, alcoo)

Essa seqüência discursiva ressalta uma perda cognitiva sofrida devido ao alcoolismo, o que nos remete à representação do alcoolismo como doença. O alcoolismo destrói, segundo o entrevistado, "os dons que Deus nos dá".

Nesse sentido, uma familiar representa o alcoolismo como destruição: "Pra mim, o alcoolismo... eu não sei não, viu? O que eu tenho a dizer sobre o alcoolismo é uma destruição. A pessoa que tá dependente do álcool é uma pessoa que tá dominada, destrói a família, acaba o emprego, casamento, se for casado, se destrói também" (JOA, irmã).

 

De acordo com essa entrevistada, o alcoolismo acarreta problemas na família, como, também, no casamento e no emprego. No decorrer da entrevista, ela afirmou que todas essas perdas foram vividas por seu irmão.

É importante destacar que as repercussões do álcool na vida familiar aparecem também nas representações de Agentes Comunitários de Saúde (AC's), estudados por Castanha e Araújo (2006), no município de Ipojuca, Pernambuco. Campos (2004) afirma que as representações de membros dos AAs também se remetem às perdas sofridas na família, no trabalho e nas amizades. Para o autor, é a partir da tomada de consciência das perdas acumuladas durante o tempo de contato com a bebida alcoólica que os alcoolistas se dão conta de que estão "dominados pelo álcool" e que precisam de ajuda para se recuperar, o que os leva a buscarem os AAs.

 

O referido autor assinala que o alcoolismo, embora seja considerado um mal individual, ao mesmo tempo em que atinge o dependente também afeta sua família e o local de trabalho, deteriorando os vínculos sociais e os afetos. Caracteriza-se, portanto, como "uma doença da família". Nesse sentido, Fainzang (2007), em seu estudo sobre a Associação Francesa de Ex-bebedores Vie Libre, toma por base os discursos recolhidos junto aos cônjuges dos antigos alcoólicos, membros do movimento, para delimitar os elementos constitutivos da idéia do alcoolismo como doença contagiosa, e identificar as suas dimensões em contraposição à definição médica de doença contagiosa. A autora expõe que os cônjuges dos bebedores atribuem a si mesmos um status de doentes por contágio, apesar de saberem que essa doença não é contagiosa em termos médicos.

 

Assim, a referida autora defende que o alcoolismo é uma doença igualmente assumida fisiologicamente pelos próximos, já que algumas de suas marcas podem ser também lidas no corpo dos outros, como, por exemplo, alguns sintomas relatados pelos cônjuges: depressão nervosa, dificuldades para dormir e raciocinar, dores no estômago, problemas de memória, dentes danificados, falta de apetite.

 

Dessa forma, o "contágio" provocado pelo alcoolismo pressupõe não apenas uma proximidade física, mas também social. A autora defende que,

Se as condições de possibilidade do contágio comportam o compartilhamento de um mesmo espaço físico, do mesmo ar, elas implicam necessariamente, além disso, o compartilhamento de um mesmo espaço social. A transmissão da doença de um corpo a outro não se faz ao acaso, por simples proximidade corporal. É necessária uma proximidade social, sendo que a do cônjuge, neste aspecto, é exemplar, visto que ele partilha com o bebedor não apenas o mesmo ar, o mesmo espaço doméstico, poluído pelo hálito do alcoólico, como também o mesmo destino, podendo o espaço doméstico ser superposto ao vínculo matrimonial ou àquele criado pela vida em comum. (Fainzang, 2007, p. 92)

 

No que diz respeito às conseqüências que o alcoolismo trazem para a família, um dos entrevistados afirma:

Pra mim, eu acho que seja o fim da carreira do que se entrega à cachaça, porque ela traz muita desgraça. Eu digo, primeiramente por mim, porque eu perdi o amor da minha família, graças a Deus, graças a Deus, tô recuperando, dos meus dois filhos, perdi minha mulher, em vez de eu ter pensado, né?[...] E aí sempre me acabando, perdendo o que eu tinha que era o amor das minhas filhas, da minha família. (AG, alcoo)

Essa seqüência discursiva reforça a idéia de que o alcoolismo destrói não só a própria pessoa - o alcoolista - mas também a relação familiar. Ressaltam-se, assim, as rupturas que são geradas na família.

 

O alcoolismo é representado, também, como uma derrota: "O alcoolismo, eu acho que seja uma coisa muito... uma derrota na vida de uma pessoa que se dá nesse tipo de... né? Nesse tipo de droga. Olha, pra mim, fumou, bebeu, teve vício, nenhum presta, todos é a derrota, a infelicidade de qualquer um que entrar nesse negócio" (MIR, mãe).

 

Para essa familiar, o alcoolismo é visto como algo que leva uma pessoa à infelicidade, reiterando sua representação como uma perda, uma derrota e como uma droga,algo extremamente negativo.